quarta-feira, 8 de maio de 2013

1992, de Thiago Pestana

1992

Em uma madrugada de 1992 em São Paulo, despertavam dois amigos, mais precisamente às quatro da manhã, hora que não poderiam se dar o luxo de perder, pois seriam penalizados por sua própria necessidade de sobrevivência. Em meio a um amontoado de madeiras e um odor que jamais esqueceriam mesmo que tentassem. A realidade imposta para suas vidas lhes permitia, sem outra opção, forçar a convivência neste ambiente ora hostil, ora favorável, que ficaria no decorrer de suas vidas na sua memória, enraizado como um salgueiro centenário.
Em um percurso silencioso e sereno, alguns homens embriagados disputavam lugar com os moradores de rua por um espaço para um breve descanso. Pais e mães de família aguardavam aos montes em um velho pedaço de madeira pintada de azul onde os ônibus paravam com destinos variados. Um valetão chamava a atenção dos garotos, pois não havia água nele e sim uma série de objetos e oferendas que eram depositadas no local onde os ratos e cachorros faziam morada.
Chegada ao destino que tanto almejavam e os motivava a tão cedo estar de pé, uma fábrica de pães que distribuía alguns deles gratuitamente até determinado horário; a alegria de serem os primeiros a receberem seu prêmio irradiava seus olhares e trazia uma perspectiva de auxiliar a família, contribuindo com o que conseguira. A responsabilidade habitava no interior destas crianças de sete anos (Tico) e seis anos (Mú).
Como de costume quase generalizado naquele bairro por pai ausente ou entregue a bebida, talvez a iniciativa dos garotos fluísse mais prematuramente, e sentiam a necessidade de contribuir de alguma forma para evitar tais dificuldades.
É chegada a hora de ir para a escola, os pães são guardados em casa e agora a educação entrava em cena, mais dificilmente seria aprendida, pois em suas mentes as preocupações ostentavam como prioridade nas suas vidas. É claro que existia uma hora muito boa para a criança esquecer-se das dificuldades e, de fato, era a hora das atividades físicas que envolviam uma série de brincadeiras que compunham a grade escolar e correspondiam com alegria aos alunos que, por um momento singelo, se entregavam à felicidade.
No término da aula um pensamento sorrateiro tomava conta de suas mentes como se os obrigasse a acordar para a vida e novamente retornar as suas casas e enfrentar a realidade que se resumia a um prato de arroz e um caldo de limão que ficaria em seu estômago como uma possível última refeição, já que o amanhã era incerto e o auxílio provinha de parentes e vizinhos solidários com a situação apresentada.
Em contraste de Um Artista da Fome (Franz Kafka, 1922), os garotos não viam a fome como arte e sim por necessidade que trazia a dor, a angústia e o desespero em ver seus corpos serem definhados por uma situação triste e desonrosa que qualquer ser humano de bem não desejaria para o pior inimigo. A fome anunciada e ao mesmo tempo compartilhada em todo o mundo não teria solução, a não ser saciá-la com um banquete generoso que os seus mais profundos sonhos ostentavam em seu subconsciente na esperança de um dia realizá-lo.
Os dois amigos Tico e Mú sempre estavam juntos e compartilhavam da mesma realidade e isso fortalecia seus laços de amizade que, por pior que fossem as condições em que viviam, sempre estavam juntos, os amigos inseparáveis que não se desgrudavam, riam e choravam juntos.
A mudança fez com que os amigos se separassem, pois a família de Mú, ao ver de perto a situação vivida pela criança e a mãe abandonada pelo marido e desorientada pelos acontecimentos, agora não poderia continuar desta maneira e foi retirada deste local inóspito e levada para o seu antigo lar, onde as dificuldades eram menores e Tico continuou sua saga, em uma realidade na qual tinha como objetivo conseguir sair como o amigo saiu deste mundo de desigualdade, fome e miséria, almejando um dia se encontrar com Mú, seu fiel amigo e companheiro, para colocar em prática os diversos sonhos que tiveram com seus banquetes e festanças, nas quais se empanturrar sem desperdício era o lema imposto por decisão impune dos amigos. A fome vivida por estas crianças não os deixará perecer, um laço de amizade muito forte foi criado e ao mesmo tempo destruído quando se separaram fisicamente, mas conscientemente sempre estarão juntos por toda sua existência.

Thiago Pestana - História

"Um Momento Inesquecível", de Ricardo Balsanelli

Um Momento Inesquecível

Quando criança, minha família tinha muitas dificuldades, como na maioria das famílias brasileiras. E meu vizinho tinha todos os brinquedos que povoavam a imaginação de qualquer criança. Eu e todas as crianças da rua adorava ir na casa dele, e o apelidamos de “ricão”, era o playboy, tinha todos os brinquedos que era moda e a galerinha não saia de perto dele. Mas, o que eu mais gostava mesmo era do vídeo game que ele tinha, gostava tanto que chegava até sonhar, quantas vezes sonhei que tinha um vídeo game, e em um dos sonhos, sonhei que estava em um programa de televisão ganhando esse maravilhoso brinquedo. Mas um dia, um dia que foi melhor que qualquer sonho, um dia muito especial que ainda vive em meus pensamentos. Ao sair da escola, vi meu pai com a perua/kombi (na época meu pai trabalhava com entrega de perfumes), me esperando no portão de saída da escola, estranhei...e chegando perto, entrei.
Pai – e ai filho, está tudo bem?
Eu – sim (pensei, será que fiz alguma coisa), rs.
Pai – pula para o banco de trás
Eu – pulei e nesse momento impressionante de segundos que ficam eternizados para sempre em nossa memória, vi o tão sonhando vídeo game na caixa, emoção total.
Eu não acreditei, foi uma das maiores alegrias da minha vida, lembro que não queria parar de jogar nem para jantar, sabe como que é. No outro dia após a aula, chamei todos os meus amigos para jogar em casa, foi muito bacana, minha mãe fez suco e lanches para toda a galera. E essa mania durou por muitos e muitos anos, pra não falar que permanece até nos dias de hoje. Para se ter uma ideia, em tempos recentes, fui visitar um grande amigo de infância, casado e morando no Vale do Paraíba, em Taubaté. Fizemos um churrasco e com uma bela disputa das velhas e ótimas partidas de futebol no game e claro com aquela cervejinha gelada ao lado. E sempre após os términos das partidas virtuais, rolava a boa discussão dos lances polêmicos. E o que foi muito legal, a família inteira na sala acompanhando cada lance da partida, foi muita risada. Enfim, esse foi um dos muitos momentos marcantes da minha vida, quando meu pai me buscou na escola e meu deu o presente dos sonhos naquela época encantada, mágica e inesquecível e que perdura até os dias de hoje com meus velhos e maravilhosos amigos. Um Momento inesquecível pode ser aqueles que em uma fração de segundos se eterniza para sempre em suas lembranças e tem moradia tranquila em seu coração.

Ricardo Balsanelli - História

"Cinema", poema de Thiago Pestana

Cinema

Tela grande de cinema,
pipoca quente entra em cena,
sem problemas nem tristeza,
o pai ao lado com firmeza.

Certa hora tomo susto,
com o rosnar com o barulho.
estas feras esquisitas,
existiram nesta vida?

Acabou agora é tarde,
vou pra casa, vem saudade,
quem sabe semana que vem
eu possa estar aqui com alguém.

Thiago Pestana - História
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